segunda-feira, 17 de abril de 2017

Só Jesus Salva?

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É imprescindível que o cristianismo, por sua proporção entre os cidadãos brasileiros, assuma de forma urgente o compromisso com a defesa da laicidade do Estado.
A missão de Jesus é descentrada: ele não anuncia a si mesmo, mas o Reino que é de Deus.
A missão de Jesus é descentrada: ele não anuncia a si mesmo, 
mas o Reino que é de Deus. (Todd Lappin)
Por Felipe Magalhães Francisco*

Um dos temas mais interpeladores, teologicamente, é o da diversidade religiosa e, em decorrência dela, do diálogo inter-religioso. A laicidade do Estado brasileiro é uma falácia, no final das contas. Temos visto surgir uma onda religiosa, nominada cristã, que tem assumido postos chaves nos poderes da República, sobretudo no Legislativo. O número de parlamentares ditos cristãos, sejam os evangélicos sejam os católicos, tem aumentado de modo assustador e perigoso. Perigoso pelo risco que as outras tradições religiosas e as não religiosas enfrentam, quando, num Estado constitucionalmente laico, as forças políticas legislam em causa em própria e a serviço das denominações religiosas e de suas próprias convicções particulares.

É imprescindível que o cristianismo, por sua proporção entre os cidadãos brasileiros, assuma de forma urgente o compromisso com a defesa da laicidade do Estado, para preservação da liberdade religiosa, e o diálogo inter-religioso para a boa e saudável convivência das manifestações de fé – sem excluir a liberdade dos que escolheram pela não profissão de fé – em nosso país. Para que isso seja possível, é preciso uma responsável postura de reflexão sobre a singularidade das tradições religiosas e de seu papel na construção da sociedade.

O ponto chave da questão, para o cristianismo, é o papel de Jesus Cristo na dinâmica salvífica. O específico da fé cristã diz respeito ao reconhecimento e ao seguimento de Jesus, como Cristo Salvador de toda a humanidade. A maneira como o cristianismo compreende essa dimensão salvífica de Cristo contribui para o diálogo inter-religioso ou, no nosso caso atual, impede um verdadeiro diálogo com outras tradições. Aqui, o impasse.

Desenvolver a questão cristológica, tanto no catolicismo quanto no protestantismo e, sobretudo, no protestantismo evangélico, é fundamental. A questão que se coloca, é: como compreender a fala de Jesus de que ele é o caminho, a verdade e a vida, tal como nos traz o Evangelho de João (cf. 14,6)? A teologia das religiões tem contribuído com boas reflexões, sobre as quais a teologia praticada no Brasil precisa se debruçar, para propor caminhos de diálogo verdadeiramente possíveis, entre as Igrejas e as tradições religiosas.

Na esteira dessas reflexões, pensar o cristianismo é, fundamentalmente, pensar a diversidade religiosa como dom irrenunciável de Deus. Nesse sentido, pensar a figura e o papel de Jesus Cristo, de forma responsável, é pensar que o próprio exercício de sua missão abre perspectivas para a compreensão de que o seu papel não é absoluto. A missão de Jesus é descentrada: ele não anuncia a si mesmo, mas o Reino que é de Deus. Esse anúncio e a própria pessoa de Jesus estão limitados aos condicionamentos históricos em que viveu.

Dizer que Jesus Cristo é a plenitude da revelação de Deus, logo, que sua missão tem uma perspectiva salvífica, é dizer isso não de forma absolutizada, mas de maneira qualitativa. Na pessoa de Jesus, e na mensagem que ele trouxe, há uma singular e inédita maneira de Deus falar aos seres humanos seu desejo salvífico, mas não significa que seja a única: “Muitas vezes e de muitos modos Deus falou [...]” (Hb 1,1). Aqui, uma abertura na própria compreensão de Jesus Cristo, e de seu alcance salvífico, coloca-nos na iminência de um diálogo inter-religioso e de uma prática evangelizadora não proselitista.

O desejo salvífico de Deus extrapola o cristianismo. Portanto, como a diversidade religiosa é, em si, desejo de Deus, que em si próprio é diverso (trino), como acreditam os cristãos, também os caminhos salvíficos são diversos. Jesus Cristo é o caminho, qualitativamente singular, de acesso ao Pai, por sua especificidade que nos alça ao Reino. No modo como anuncia o Reino, ele faz despontar diante de nós aquilo a que todo ser humano é chamado a ser. Jesus é, como acreditamos os cristãos, paradigma do ser humano plenamente realizado. Dessa maneira, há a salvação, quando o ser humano, de maneira livre e aberta, trilha os caminhos de humanização, e isso transcende os limites de todas as religiões, até mesmo a cristã.

*Felipe Magalhães Francisco é doutorando em Ciências da Religião, pela PUC-MG, e mestre e bacharel em Teologia, pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia. Coordena a Comissão Arquidiocesana de Publicações, da Arquidiocese de Belo Horizonte. Articula a Editoria de Religião deste portal. É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015). Escreve ás segundas-feiras. E-mail: felipe.mfrancisco.teologia@gmail.com.

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