quinta-feira, 20 de abril de 2017

'Que tragédia é essa que cai sobre todos nós?'

domtotal.com
Diz o provérbio indígena: 'Somente quando for cortada a última árvore, pescado o último peixe e poluído o último rio, que as pessoas vão perceber que não podem comer dinheiro'.
O Acampamento Terra Livre (Brasília, 24 a 28/04) reunirá mais de 1,5 mil lideranças indígenas.
O Acampamento Terra Livre (Brasília, 24 a 28/04) reunirá mais de 
1,5 mil lideranças indígenas. (Ruy Sposati/ CIMI)
Por Élio Gasda*

A terra é a principal reivindicação das lutas indígenas. “A terra não pertence ao homem. É o homem que pertence a terra. Todas as coisas estão interligadas, como o sangue de uma família. Tudo quanto agride a terra, agride os filhos da terra” (Cacique Seattle). Os índios são parte da terra. E a terra é o fundamento das formas de organização comunitária, da espiritualidade e das práticas do bem viver. “Para eles, a terra não é um bem econômico, mas dom gratuito de Deus e dos antepassados que nela descansam, um espaço sagrado com o qual precisam interagir para manter a sua identidade e os seus valores”. (Laudato si, 146).

A Semana dos Povos Indígenas aponta a urgência de debater a questão indígena e a preservação da natureza. O índio concebe a vida humana em conexão com o todo, com o cosmo. Tal concepção holística sustenta todas as suas escolhas. As reservas indígenas, que ocupam 13% do território nacional, garantam ecossistemas mais preservados. “De vocês, temos muito a aprender” (Papa Francisco).

A história do Brasil é de desindianização. Há quinhentos anos eles eram cinco milhões organizados em quase 2000 povos. Foram caçados e quase extintos. Hoje neobandeirantes roubam o pouco que lhes resta. Quase 10% do território brasileiro está sendo transformado na última fronteira do agronegócio e da mineração. Com as iniciais de quatro estados (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), o projeto Matopiba atrai estrangeiros e invade 46 unidades de conservação ambiental, 36 terras indígenas e 781 assentamentos de reforma agrária e áreas quilombolas. A Avenida Paulista é o destino final do ouro roubado dos Yanomami.

Atualmente, há uma ofensiva violenta sobre os povos e culturas indígenas. Diante das pressões do agronegócio, o Brasil parou as demarcações. As comunidades indígenas estão relegadas ao abandono e tem suas terras invadidas pelo agronegócio. Aldeias e acampamentos sobrevivem em porções ínfimas de terra, aguardam as demarcações em barracos de lona ou mendigando nas cidades. Não existe capitalismo bonzinho e sustentável. “Somente quando for cortada a última árvore, pescado o último peixe e poluído o último rio, que as pessoas vão perceber que não podem comer dinheiro” (Provérbio indígena).

O golpe de 2016 inaugurou um ciclo de extermínio dos indígenas: direitos ameaçados, desmantelamento das políticas de saúde, desmonte da FUNAI e criminalização de lideranças já ameaçadas por pistoleiros. Este primeiro ano sem democracia levou a um retrocesso sem precedentes na duríssima luta destes povos. O atual governo ficará marcado como o seu maior inimigo. “Que tragédia é essa que cai sobre todos nós?” (Milton Nascimento).

Mas índio é à prova de golpe (Ailton Krenak). O movimento indígena tem crescido na última década. As cotas colocaram mais de oito mil índios nas universidades. Vivem hoje no Brasil 305 povos indígenas, com uma população em torno de um milhão de pessoas, que falam 274 línguas diferentes, presentes por todo país (IBGE, 2010). Até o ano passado 1.113 terras indígenas estavam em processo de reconhecimento ou reivindicadas. Estes povos lutam para que seja cumprida a Constituição Federal de 1988 que em seu Art. 231, declara: “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. O direito à terra indígena é anterior ao direito de propriedade de qualquer latifundiário.

Aos indígenas não resta outra escolha: lutar ou lutar. O governo golpista avança sobre seus direitos. O genocídio parece não ter fim. Mas, como fazer com que a população não indígena conheça suas demandas e compreenda o que significa para eles ter sua terra? Como vencer o preconceito contra o índio? A batalha dos indígenas é a batalha de toda a humanidade. Sem eles a natureza morre. Sua ecologia é integral. Proteger os filhos da terra é fazer do planeta uma terra sem males. Lutar com eles é lutar pela sobrevivência da raça humana e da casa comum. No dia em que não houver lugar para o índio no mundo, não haverá lugar para ninguém (Aílton Krenak).

O Acampamento Terra Livre (Brasília, 24 a 28/04) reunirá mais de 1,5 mil lideranças indígenas. A maior mobilização de povos indígenas será́ realizada em meio a maior ofensiva contra seus direitos articulada por um governo desmoralizado e corrupto a serviço dos ricos. Papa Francisco tem lado: “Quero ecoar e ser porta-voz dos desejos mais profundos dos povos indígenas. E quero que vocês unam suas vozes à minha”. De que lado você está? Cara pálida, índio é índio frequentando ou não universidades, usando cocar e jeans, dirigindo carro, comendo batata chips e acessando a rede.

*Élio Gasda: Doutor em Teologia, professor e pesquisador na FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).

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