domingo, 30 de abril de 2017

Preces à Maria

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Não se pode confundir devoção e veneração, com adoração.
Das formas de veneração à Maria, duas se destacam: a oração da “Ave Maria” e a “Salve Rainha”.
Das formas de veneração à Maria, duas se destacam: a oração da
 “Ave Maria” e a “Salve Rainha”. (Reprodução)
Por Evaldo D´Assumpção*

Maio, além do trabalho, homenageia às mães, e em especial à mãe de todos, a Virgem Maria, mãe de Jesus. A devoção a ela é antiquíssima, conforme se depreende das pinturas marianas, nas catacumbas de Priscila, do século II. Contudo, não se pode confundir devoção e veneração, com adoração. Veneração significa reverente respeito a alguém a que muito se ama. Já adoração significa prestar culto a alguém infinitamente superior. Por isso, adoração se faz exclusivamente a Deus Trinitário, enquanto aos Santos em geral, e à Virgem Maria em particular, se presta a veneração. No caso especial da Mãe de Deus, esta veneração recebe o nome de hiperdulia, enquanto aos Santos se presta a dulia.

Das formas de veneração à Maria, duas se destacam: a oração da “Ave Maria” e a “Salve Rainha”.  A Ave Maria era chamada, na época medieval, de “Saudação angélica”, porque composta somente pela primeira parte do que conhecemos hoje, repetindo o louvor do Arcanjo Gabriel à Maria, e a saudação de sua prima Isabel ao recebê-la em sua casa. Esses dois sim, os primeiros atos de veneração à Maria. Sua utilização como oração popular teve início em torno do ano 1000, tornando-se universal a partir do século XIII. 

Somente no século XV foi acrescentada a segunda parte, de origem popular-eclesial, sob a forma de súplica, acrescentando-se o nome “Jesus” à primeira parte, que nela ainda não existia.  A fórmula, hoje ainda utilizada, foi colocada no breviário de 1568, por ordem do papa Pio V.

A outra oração é a chamada de “Salve Rainha”. Ela teria surgido como uma espécie de hino de guerra da primeira Cruzada (1095), mas a opinião mais aceita, é a que atribui ao beneditino alemão Herman Contrat, em 1050, autor de muitos cânticos devotos.

Com origens tão antigas, compreende-se o texto dessas orações, compostas quando a relação com Deus era na base do “temor a Ele”, entendido como medo de sua ira, de suas punições, de seu aspecto “judicial”. Isso explica as construções de certas preces.     

Hoje temos a compreensão mais exata deste “temor” como “profundo respeito”, e uma visão do Pai como Jesus nos mostrou em seus ensinamentos. Ali ele nos indica que Deus é pai amoroso, misericordioso, sempre de braços abertos para acolher às suas criaturas. É Jesus mesmo que nos ensina a rezar, chamando a Deus de Abba, paizinho. Expressão com uma intimidade que os antigos cristãos jamais ousariam pronunciar, pela sua sólida ligação com os princípios do judaísmo, repleto de imposições, restrições e punições. Pena que ainda hoje muitos cristãos conservam essa visão distante e atemorizadora do Deus que nos criou por amor, como ensinou Jesus, e que “quer misericórdia e não castigos” (Os 6,6 e Hb 10,5).

Com essa nova perspectiva, alguns teólogos e sacerdotes propuseram novas formas para estas orações, onde a relação de amor, confiança e certeza na misericórdia divina transparece com clareza e nos dá uma nova e confiante dimensão para conversarmos com aquela que nos foi dada, aos pés da cruz, como nossa Mãe celestial, na figura de São João, e pelo próprio Jesus. Na oração da Ave Maria somente ocorrem mudanças na sua segunda parte, que como vimos, são acréscimos posteriores. Elas estão grifadas, para melhor localização.

“Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco, bendita sois vós entre as mulheres e bendito é o fruto do seu ventre, Jesus.
Santa Maria, mãe de Deus e nossa, rogai por nós vossos filhos, agora e na hora de nossa morte e ressurreição. Amém!”

Explicando: acrescentou-se “e nossa”, pois Maria nos foi dada como mãe, a todos, pelo próprio Jesus. Não podemos omitir isso, em nossa oração. Trocou-se “pecadores” por “vossos filhos” por ser aquela uma expressão negativa. Afinal, somos pecadores sim, mas com a certeza do perdão de Deus. Além disso, proclamando-nos “vossos filhos” assumimos uma atitude filial, ao invés de auto condenação. E no final, acrescentou-se “e ressurreição”, pois temos a convicção de que a morte é uma passagem e que nossa “ressurreição” é a condição essencial que buscamos.

Na oração Salve Rainha: “Salve Rainha, mãe de misericórdia, vida, doçura e esperança nossa, salve! A vós bradamos, os vossos filhos. A vós suspiramos, gemendo, chorando, mas também sorrindo neste mundo que nos foi dado por Deus. Eia pois, advogada nossa, esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei, e depois deste tempo nesta vida, mostrai-nos Jesus, bendito fruto de vosso ventre, ó clemente, ó piedosa, ó sempre doce Virgem Maria. Rogai por nós Santa Mãe de Deus, para que sejamos dignos das promessas de Cristo, Amém!”

Explicando: Trocou-se “os degredados filhos de Eva” por vossos filhos, porque aquela é uma expressão dura e não harmoniza com o amor do Pai. Com esta outra expressão, reafirmamos a nossa condição de filhos de Maria. Acrescentou-se: e também sorrindo, porque nesta vida temos muito mais razões para sorrir, do que para ficarmos nos lamuriando. E retirou-se: neste vale de lágrimas, pela mesma razão, colocando este mundo como um presente – e ele o é – de Deus para nós.  Finalmente trocou-se a expressão: deste desterro, porque na verdade somos caminhantes rumo aos céus, e não prisioneiros rejeitados e abandonados como sugere essa expressão.
Resumindo, com tais mudanças as duas orações nada perdem em sua legitimidade teológica e orante, mas ganham em leveza e confiança absoluta na misericórdia divina, a ser alcançada com a ajuda de nossa mãe, Maria Santíssima.

* Evaldo D´Assumpção é médico e escritor

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