domingo, 2 de abril de 2017

'Mulheres do Século 20' investiga sucessos e fracassos dos anos de 1960

 domtotal.com
Elle Fanning, Greta Gerwig em
Elle Fanning, Greta Gerwig em "Mulheres do Século 20". (Divulgação)
Por Alysson Oliveira

Uma das primeiras cenas de “Mulheres do Século 20” envolve um carro pegando fogo no estacionamento de um mercado. Icônica, a imagem poderia ser até uma instalação artística, mas não é o caso. Trata-se do velho automóvel de Dorothea (Annette Bening), deixado pelo ex-marido, quando se separaram. Mesmo com a perda, ela não se deixa abater e até convida os bombeiros para passarem em sua casa à noite, pois está dando uma festa de aniversário. E eles vão.

Essa primeira cena já estabelece a personalidade nada melancólica da protagonista, que mora em Santa Barbara com seu filho adolescente, Jamie (Lucas Jade Zumann), e outras duas pessoas que alugam quartos na casa. Um deles é William (Billy Crudup), uma espécie de faz-tudo que está ajudando na reforma do imóvel. A outra é Abbie (Greta Gerwig), uma jovem fotógrafa recuperando-se de um câncer.

É uma vida comunal pós-hippie que ecoa os anseios e utopias da década anterior. Dorothea, como boa veterana que é dos anos 1960, tem o espírito livre, mas com responsabilidades. Não se sente preparada para criar o filho sozinha, por isso conta com a ajuda da dupla de inquilinos e da adolescente Julie (Elle Fanning), amiga de Jamie, que às vezes passa a noite na cama dele, sem que haja qualquer insinuação sexual ou romântica: eles apenas ficam conversando, trocam confidências ou dormem abraçados.

Em “Toda Forma de Amor”, que rendeu um Oscar a Christopher Plummer no papel do septuagenário que se assume gay e cujo filho tem de lidar com isso, o diretor Mike Mills inspirou-se na vida de seu pai. Já em “Mulheres do século 20”, a versão ficcionalizada é da mãe. Se naquele filme, o protagonista já era adulto e tinha uma visão mais precisa sobre a situação, aqui, sendo um adolescente, há também uma neblina encobrindo sua capacidade de perceber a grandeza de Dorothea. Dessa forma, trata-se de um filme de descoberta e tentativa de dimensionar essa mulher.

O que não é nada fácil, pois ela é uma daquelas personagens “maiores do que a vida”, que o filme tenta apreender de forma bonita. Ajuda muito o retrato também das outras duas mulheres do século 20 que cercam a adolescência de Jamie. Ecoando temas como a revolução sexual dos anos de 1960, o filme transforma o pessoal em político, reverberando o slogan feminista de meados dos anos de 1970. A trajetória de Dorothea e dos outros personagens são uma compreensão dos fracassos e avanços das lutas da década anterior. Assim, situar o longa em 1979 ganha um caráter representativo. É, possivelmente, o último ano de esperança. A década que se avizinha, com a ascensão do neoliberalismo, enfraqueceu – quando não derrotou por completo – as conquistas sociais, políticas, culturais de não muito tempo atrás.

Nesse sentido, “Mulheres do Século 20” é sobre o último suspiro da utopia, representada na comunidade informal que nasce na casa de Dorothea. Jamie é o ponto de fuga da narrativa, mas o que mais importa são as linhas que ele espalha – sendo sua mãe a mais forte delas. A beleza está exatamente em assumir que é impossível capturar essa mulher na sua integralidade. O filme se contenta em retratar partes do caráter marcante da personagem.

Se o resultado é bem-sucedido – e é muito –, boa parte se deve à interpretação de Annette Bening (indicada ao Globo de Ouro e esnobada no Oscar), tão sorridente e cheia de dúvidas. Ela cria uma Dorothea certa de suas inseguranças e aberta às mudanças. Afinal, ela viu o mundo dar um giro de 360 graus poucos anos atrás, cercada de figuras marcantes, tão bem-realizadas como a protagonista.

Sem uma narrativa ao modo clássico, Mills (que também assina o roteiro indicado ao Oscar) constrói um filme estruturado em fragmentos de lembranças, permitindo-lhe avançar e recuar no tempo sem qualquer problema, dando o destino de suas personagens como se elas fossem dotadas de uma consciência daquilo que ainda está por vir. Mais do que o retrato de uma geração, o filme reflete um período.

Clique aqui, confira o trailer e onde o filme está em cartaz na Agenda Cultural!


Reuters

Um comentário:

  1. É impossível não se deixar levar pelo ritmo da historia. O roteiro de Mulheres do Século 20 o converteu num filme bem feito. Considero que consegue o seu objetivo de nos informar e inclusive nos faz pensar sobre o tema. O ritmo do filme foi muito ameno, acho que é um filme que agradara a todo o público. É interessante, não? Também achei uma excelente produção.

    ResponderExcluir