domingo, 9 de abril de 2017

Brexit geológico: como a Grã-Bretanha se transformou em uma ilha

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A hipótese de que um lago glacial teria originado a formação do Canal da Mancha foi levantada há um século, mas esse estudo traz novos elementos para essa tese.
Equipe internacional de geólogos.
Equipe internacional de geólogos. (AFP/Arquivos)

Uma gigantesca cachoeira de dezenas de quilômetros rompeu o cume rochoso que unia a Inglaterra e o continente europeu há quase 500.000 anos, provocando uma inundação tão grande quanto o Canal da Mancha e criou a ilha da Grã-Bretanha, segundo um estudo publicado nesta semana.

Uma equipe internacional de geólogos fez um verdadeiro trabalho de detetive para conseguir encaixar as peças desse "dominó" que intriga seus colegas de profissão há mais de um século.

A pesquisa resgatou uma era glacial de 450.000 anos, quando grande parte do hemisfério norte estava coberto por uma espessa placa gelada e o nível do mar era mais baixo do que hoje em dia.

Naquele momento, o Canal da Mancha estava seco e, segundo os cientistas, se elevava até um cume rochoso calcário que unia a Grã-Bretanha ao continente através do que hoje em dia se conhece como Estreito de Dover.

Em um artigo publicado na revista Nature Communications, os cientistas sugerem que um enorme lago, alimentado por rios continentais, surgiu no sul do Mar do Norte, entre a borda da calota glacial e esse suposto cume rochoso.

O lago começou a transbordar, passando por cima do cume rochoso e criando uma cachoeira de cerca de 32 quilômetros de comprimento e 100 metros de altura que terminava no vale logo abaixo.

A cachoeira provocou erosão no cume, que terminou quebrando e provocando uma gigantesca inundação que penetrou no que acabou se transformando no Canal da Mancha.

Brexit: ato 1

"A ruptura dessa ponte terrestre entre Dover e Calais [noroeste da França] foi indiscutivelmente um dos acontecimentos mais importantes da história da Grã-Bretanha, contribuindo para formar a identidade insular da nação até a atualidade", declarou Sanjeev Gupta, geólogo do Imperial College London e um dos autores do artigo.

"Quando essa era glacial terminou e o nível do mar subiu, inundando de verdade esse vale, a Grã-Bretanha perdeu seu laço físico com o continente", disse o pesquisador.

"Sem esse dramático episódio, a Grã-Bretanha ainda faria parte da Europa. Foi o Brexit 1.0, um Brexit pelo qual ninguém votou", acrescentou.

A hipótese de que um lago glacial teria originado a formação do Canal da Mancha foi levantada há um século, mas esse estudo traz novos elementos para essa tese.

Uma das principais evidências são os buracos gigantes descobertos no leito do Canal da Mancha. Cheios de cascalho e areia, alguns têm vários quilômetros de diâmetro e cerca de 100 metros de profundidade.

Foram descobertos por acaso nos anos 1960 e 1970, quando engenheiros perfuravam o fundo do mar para preparar a construção do túnel submarino do Canal da Mancha.

Os sedimentos desses buracos eram tão moles que os engenheiros tiveram que mudar o traçado do túnel para evitá-los.

Os cientistas acreditam que esses buracos se formaram embaixo das cachoeiras ficaram tão grandes a ponto de ceder as falésias de onde caíam.

Usando um sonar e uma técnica para obter informações sobre as estruturas subterrâneas, os investigadores descobriram que sete dos buracos gigantes formavam uma linha reta identificável, desde o porto de Calais até Dover, o que seria a borda do famoso suposto cume.

Foram encontradas também provas da existência de um antigo vale gigante no fundo marinho, o que indicaria uma enorme inundação.

O "Brexit 1.0" aconteceu em dois tempos. Primeiro, aconteceu a ruptura da barreira rochosa e depois um segundo grande acontecimento, causado provavelmente pelo transbordamento de outros lagos menores, segundo o estudo.

Se não fosse por esse golpe geológico do destino, a Grã-Bretanha ainda estaria ligada ao continente, como a Dinamarca.


AFP

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