quarta-feira, 29 de março de 2017

Terceirização: projeto deixa lacuna e contraria a Constituição

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Projeto diz que a empresa prestadora de serviços deve prestar à contratante serviços determinados e específicos, mas não os define.
Mudanças aprovadas privilegiam aspectos econômicos e deixam de lado direitos do trabalhador e o valor social do trabalho.
Mudanças aprovadas privilegiam aspectos econômicos e deixam de lado direitos do trabalhador
 e o valor social do trabalho. (Pedro Ventura/Agência Brasília)
Por Daniela Galvão*
Repórter Dom Total

É fato que a terceirização no Brasil não é regulamentada e, diante disso, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST), por meio da Súmula 331, estabelece normas para o trabalho terceirizado em geral e o restringe às atividades-meio da empresa tomadora de serviço, como vigilância, conservação e limpeza, desde que não haja pessoalidade e subordinação direta. Com o argumento de que era preciso trazer mais segurança jurídica, a Câmara dos Deputados aprovou, no último dia 22, o Projeto de Lei (PL) 4.302-E, de 1998, para regulamentar a terceirização e também alterar regras do trabalho temporário.

Em relação ao contrato de trabalho temporário, uma mudança significativa, caso o PL seja sancionado pela Presidência da República, é que a empresa temporária não precisará ser apenas urbana. Isto é, será possível a existência de empresa temporária rural, com temporários rurais, desde que devidamente registrada no Ministério do Trabalho. Além disso, segundo a Lei 6.019/74, que trata do trabalho temporário nas empresas urbanas, o contrato entre a empresa de trabalho temporário e a empresa tomadora ou cliente, com relação a um mesmo empregado, não pode exceder de três meses. Por sua vez, a proposta que foi à sanção aumenta o prazo do contrato para seis meses, podendo ser prorrogado por mais 90 dias.

Em contrapartida, a empresa prestadora de serviços não precisa ser registrada no Ministério do Trabalho, desde que seja pessoa jurídica de direito privado destinada a prestar à contratante serviços determinados e específicos. Mas quais são esses serviços determinados e específicos? O projeto aprovado não explica essa questão, o que, certamente, deixa uma lacuna e, antes mesmo da sanção presidencial, já gera debates. Afinal, há quem diga que a autorização para terceirizar a atividade-fim está na nova redação que o PL dará ao caput do artigo 4º-A, da Lei 6.019. Em contrapartida, outros entendem que esses serviços determinados e específicos estariam ligados à atividade-meio da empresa tomadora de serviços e que não houve autorização expressa para a terceirização em atividade-fim.

O projeto de lei ainda prevê que a empresa contratante é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorrer a prestação de serviços. Assim, o terceirizado que se sentir lesado somente poderá acionar a tomadora de serviço se não houver mais bens da fornecedora de terceirizados para o pagamento da condenação relativa aos direitos não pagos. 

E para quem diz que não há perda de direitos, segue um exemplo. O PL define que a empresa contratante “poderá” estender ao trabalhador da empresa de prestação de serviços o mesmo atendimento médico, ambulatorial e de refeição destinado aos seus empregados, existente nas dependências da contratante, ou local por ela designado. Na prática, as empresas terão a faculdade de conceder esses benefícios aos terceirizados.

E como bem ressalta a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), a proposta “induvidosamente, colide com os compromissos de proteção à cidadania, à dignidade da pessoa humana e aos valores sociais do trabalho previstos no artigo 1º da Constituição Federal que, também em seu artigo 3º, estabelece como objetivos fundamentais da República construir uma sociedade livre, justa e solidária, bem como erradicar a pobreza, a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.

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Redação Dom Total
*Daniela Galvão também é advogada, graduada pela Dom Helder Escola de Direito.

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