sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Os melhores livros de 2016

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Luísa tentou incluir livros de não ficção, poesia, autores nacionais e estrangeiros e graphic novels.
Tive que abrir uma exceção para Elena Ferrante.
Tive que abrir uma exceção para Elena Ferrante. (Divulgação)
Por Luísa Gadelha*

Parece-me que 2016 ficará conhecido como um ano de grandes tragédias e decepções – sobretudo no cenário político brasileiro, digno de reviravoltas e intrigas mais excitantes (e catastróficas!) que qualquer roteirista poderia imaginar para House of Cards. Na literatura, apesar das gratas surpresas, estreias e edições, não posso deixar de mencionar a lamentável perda de três gigantes: Umberto Eco, um dos maiores intelectuais do século XX, Harper Lee, que escreveu o eterno e atualíssimo clássico O sol é para todos e, no início de dezembro, o querido e controverso Ferreira Gullar.

Tentei listar aqui algumas das melhores obras de 2016. Escrever listas é sempre complicado e polêmico, sobretudo porque caímos na subjetividade, além de esquecermos de mencionar um ou outro livro. Tentei incluir livros de não ficção, poesia, autores nacionais e estrangeiros e graphic novels. Muitos lançamentos do ano não estão na lista porque já foram resenhados anteriormente no DCM, como Enclausurado, de Ian McEwan, e Dois anos, oito meses e 28 noites, de Salman Rushdie.

Tive que abrir uma exceção para Elena Ferrante. Primeiro porque, após ter falado sobre o primeiro romance da tetralogia napolitana em janeiro, a Biblioteca Azul lançou os dois volumes seguintes. Segundo porque creio que Ferrante foi a grande descoberta do ano – tanto que acabou se tornando objeto de pesquisa do meu doutorado – não só pela polêmica envolvendo a escritora quando um jornalista supostamente revelou sua verdadeira identidade em outubro, mas sobretudo por sua escrita ao mesmo tempo complexa e espontânea e por retratar de maneira tão despretensiosa, mas não isenta de reflexões, o universo feminino italiano na segunda metade do século XX.

Segue a minha seleção:

Ouça a canção do vento & Pinball, 1973 (Haruki Murakami) – Alfaguara, 264 páginas

Murakami já é um escritor consagrado há algum tempo, inclusive no Brasil. Favorito para o Nobel nos últimos anos, ainda não foi contemplado. O universo dos seus livros mistura o fantástico com referências a filmes, músicas e literatura ocidentais. Essa edição – caprichadíssima e bem colorida – traz as duas primeiras novelas do escritor, de 1978, com tradução inédita em português. Nelas, já vislumbramos as marcas do estilo de Murakami: solidão e mistério. Em Ouça a canção do vento, um rapaz relembra os amores da juventude ao embarcar em um novo relacionamento. Já em Pinball, 1973, um tradutor vê-se obcecado por uma máquina de Pinball.

A guerra não tem rosto de mulher (Svetlana Aleksiévitch) – Companhia das Letras, 390 páginas

A escritora bielorrussa Svetlana Aleksiévitch ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 2015 e teve seus três livros traduzidos e editados para o português em 2016. Neste, a escritora reuniu depoimentos de centenas de mulheres que lutaram no Exército Vermelho soviético durante a Segunda Guerra Mundial. Os relatos são alternados com trechos do diário que Svetlana escreveu enquanto realizava as entrevistas, na década de 1980, e inclui passagens que foram cortadas pela censura na primeira edição, de 1985. Como a própria autora afirma, o livro é uma tentativa de contar a “alma da história”: a guerra vista individualmente, a partir de pequenos relatos pessoais, sob a perspectiva feminina.

Desconstruindo Una (Una) – Nemo, 208 páginas

Una é o nome da artista britânica que produziu essa narrativa gráfica tão cara para a reflexão sobre o machismo e o empoderamento feminino. Entre 1975 e 1980, o serial killer Yorkshire Ripper assassinou no mínimo 13 mulheres. Era um cidadão comum, simpático e casado, e foi interrogado pela polícia nove (!) vezes antes de ser descoberto. Una, uma garota de 12 anos, cresce nesse meio em que a violência contra a mulher é banal, questionando os valores sociais e como, infelizmente, não podíamos contar  com a justiça.

O tribunal da quinta-feira (Michel Laub) – Companhia das Letras, 184 páginas

O escritor gaúcho Michel Laub reflete sobre a privacidade em tempos de internet e o linchamento virtual a partir de um enredo envolvendo o HIV: o publicitário José Victor troca mensagens irônicas e, se descontextualizadas, um tanto quanto preconceituosas, com o seu melhor amigo Walter, homossexual e soropositivo. Após uma traição seguida de divórcio, a ex-mulher de José Victor expõe para alguns amigos as mensagens, que acabam vazando e viralizam. O “tribunal” está montado: as atitudes de José Victor são analisadas, criticadas, censuradas e escrachadas no mundo virtual, trazendo consequências para a vida profissional e afetiva do publicitário.

Meia-noite e vinte (Daniel Galera) – Companhia das Letras, 208 páginas

Aurora, Antero, Emiliano e Andrei, quatro amigos que, no final da década de 1990, produziam o fanzine virtual Orangotango, voltam a se reunir cerca de quinze anos depois, após o assassinato de Andrei em Porto Alegre. Narrado a quatro vozes, o novo romance de Daniel Galera, do premiado Barba Ensopada de Sangue (2014), fala dos anseios e da solidão da geração que viu o nascimento da internet e as inovações digitais.

Como se estivéssemos em palimpsesto de putas (Elvira Vigna) – Companhia das Letras, 216 páginas

O décimo romance da escritora carioca Elvira Vigna fala sobre prostituição, mas não apenas isso: é um breve ensaio sobre as relações humanas. João, um homem casado, relata à narradora seus encontros com garotas de programa. Juntamente com Daniel Galera e Michel Laub, Elvira Vigna é um dos grandes nomes brasileiros da atualidade.

A amiga genial, História do novo sobrenome e História de quem foge e de quem fica (Elena Ferrante) – Biblioteca Azul

Elena Ferrante era um nome controverso na literatura italiana até sua identidade ser revelada em outubro. Independente de quem seja a escritora, sua tetralogia napolitana narra com naturalidade, sem cair na pieguice, a vida de duas amigas a partir da infância, na década de 1950 em um bairro pobre de Nápoles, até a velhice, nos dias atuais. Lina e Lenu são inseparáveis e se admiram mutuamente, o que não impede que caiam nas armadilhas de toda amizade: rivalidade, traições, inveja, competições. O entorno da vizinhança em que crescem choca pela brutalidade banal. O quarto volume deverá ser traduzido e publicado em breve.

Inconfissões. Fotobiografia de Ana Cristina Cesar (Organização de Eucanaã Ferraz) – IMS, 176 páginas

“Eu era menina e já escrevia memórias, envelhecida. O tempo se fazia ao contrário”: assim como esses versos é a fotobiografia de Ana Cristina Cesar (1952-1983), ao contrário: começa pelo fim de sua vida e termina com retratos, desenhos e até mesmo o boletim escolar da escritora quando criança. Homenageada na FLIP deste ano, Ana Cristina Cesar ganhou também uma nova edição da sua Poética completa. A edição da fotobiografia foi organizada pelo também poeta Eucanaã Ferraz e é um mimo, quase um afago, feita para ser apreciada nos mínimos detalhes.

A gigantesca barba do mal (Stephen Collins) – Nemo, 240 páginas

Na Ilha Aqui, tudo funciona perfeitamente. Nada está fora de lugar, desde a limpeza das ruas à pontualidade das pessoas em suas rotinas. Todos os homens são barbeados. Dave é um homem comum, exceto por um fio de barba que insiste em brotar em sua face. Sua barba começa a crescer por completo, por mais que Dave a corte. E, junto com ela, a confusão toma conta de sua vida. Essa excelente graphic novel é mais uma fábula sobre as incertezas da vida e comportamentos que não são aceitos em nossa sociedade.

Como ser as duas coisas (Ali Smith) – Companhia das Letras, 312 páginas

Como ser as duas coisas, da escritora escocesa Ali Smith, pode ser lido de duas maneiras, como o leitor preferir: começando pela história da garota de 16 anos George, que vive nos dias atuais, ou pela do pintor renascentista Francesco del Cossa, responsável pelos afrescos de um palácio em Ferrara, no século XV. No Reino Unido, as duas “versões” foram publicadas simultaneamente. Mais uma vez, Ali Smith perpassa a fluidez dos gêneros: George tem nome de menino, mas é uma garota ainda explorando a própria sexualidade. Francesco nasceu menina, mas se fantasia de homem. As histórias se cruzam quando a mãe de George morre repentinamente e a garota relembra uma viagem que fizeram a Ferrara.

Um amor feliz (Wislawa Szymborska) – Companhia das Letras, 327 páginas

Wislawa Szymborska foi considerada o “Mozart da poesia” pelo júri do prêmio Nobel, em 1996. Segundo livro da escritora polonesa publicado no Brasil, esta coletânea contém 85 poemas, escritos de 1957 até a morte de Szymborska, em 2002. O interessante é a edição bilíngue – delicie-se com o polonês – e a temática dos poemas, que versam sobre o amor, a beleza, a pureza e a natureza mas também sobre a matemática e a astronomia.

O caso Meursault (Kamel Daoud) – Biblioteca Azul, 168 páginas

Meursault, o protagonista do clássico O Estrangeiro, de Albert Camus, é condenado por assassinar um árabe em uma praia. Sem ter sequer um nome, o “árabe” ganha personalidade nessa novela do escritor argelino Kamel Daoud. Moussa, o árabe, é rememorado por seu irmão, Haroun, mais de 50 anos após o seu assassinato. Aqui, temos reflexões pertinentes sobre a sociedade argelina.


DCM
Luísa é graduada e mestra em Letras, graduanda em Filosofia.

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