sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Vendo rostos do passado

domtotal.com
Há amizades nas quais o afeto permanece, mas que não se conjugam mais.
Há pessoas com quem vivemos e nunca encontramos ou por quem nunca fomos encontrados!

Por Gilmar Pereira*

Encontrar e desencontrar. “O mundo dá muitas voltas. A gente vai se encontrar. Quero nas voltas da vida, a sua mão apertar”. – cantava isso quando criança na celebração da Missa. Achava bacana essa ideia do reencontro, até eu ser o reencontrado.
Na verdade, saí de casa aos 19 anos para entrar numa dessas novas formas de vida religiosa, chamadas também de Comunidades de Vida, que vêm da Renovação Carismática. Mudei-me de cidade e depois de dois anos fui transferido para a que nasci. Pouco depois saí dessa comunidade e, mais algum tempo, entrei para a Ordem dos Jesuítas, tendo morado em mais outras 4 cidades em 7 anos. No meio de tudo isso, viajei muito, ficando uma semana aqui, um mês acolá, dando retiros e cursos aos fins de semana em diversas partes, participando de reuniões alhures.

O fato é que fiz amigos e colegas e tenho conhecidos espalhados pelo mundo inteiro. Gente boa com quem me encontrei apenas uma vez e ainda guardo amizade e outros de presença forte e constante. De todos, trago algo. Ninguém sai incólume de um encontro, isto se de fato o houve. Afinal, encontrar alguém é despertar para sua existência, perceber sua distinção dos demais, afirmar sua singularidade no mundo. Pena que há pessoas com quem trabalhamos, estudamos, vivemos e nunca encontramos ou por quem nunca fomos encontrados!

A parte difícil de cada encontro é justamente a hora de se apartar. Imagine para quem viveu uma vida itinerante como eu! Minha vida foi marcada por chegadas e partidas: alegria do encontro e nostalgia das figuras que ficaram na memória. Algumas pessoas reclamavam de que eu não ligava depois, que não procurava ou cultivava as amizades. O problema é que era muita gente. Quem fica, perde um quem vai; quem vai, perde todos. E nessa solidão, aprendi a sempre encontrar. E não podia viver da saudade, tinha que me fazer presente aos que estavam comigo no momento presente. Mas mesmo aí, os outros que deixava se faziam presentes, porque minhas ideias já tinham sido mudadas pelas deles, meu abraço estava impregnado da carga afetiva deles, meus sonhos se mesclava com o deles.

De tanto me misturar com cada um, quando regressava aos meus, notava com espanto o quanto havia mudado, o quanto já não era mais o mesmo. E quando nas voltas da vida tornava a apertar as mesmas mãos, precisava de um novo encontro. Eu já não era o mesmo. O outro também não o era. E não dava para viver de fantasmas, de imagens do passado que persistem no presente. Precisava reconhecer o rosto que se me apresentava e dar-lhe a conhecer o meu, que também era novo. Assim, dolorosamente, fui me dando conta de que havia algumas amizades nas quais o afeto permanecia, mas que não se conjugavam mais, cuja convivência ou construção conjunta de sonhos e processos ficara incompatível. É estranho quando o amor continua, porém as vidas não se encaixam mais. Aí é hora de reencontrar, de reconhecer esse rosto velho/novo.

Vozes – Festival Internacional de Corais e Bandas

Quando buscamos reencontrar rostos já conhecidos e que se apresentam novos, costumamos buscar o fio que une essas diversas faces da mesma pessoa. Isso se dá resgatando as memórias vividas e na descoberta do que se passou naquela vida desde o último encontro. Queremos o nexo entre o velho e o novo e, justamente o novo acaba dando outros sentidos ao velho. Nesse momento vemos como determinados fatos passados contribuíram para gerar o que aí está. O passado ilumina o presente e este lança luz sobre aquele. No seu encontro, fulgura a pessoa, ela é mais do que posso dela conhecer. Nessa sua aparição, vozes e sons irrompem como trilha sonora. Por isso música é bom, para embalar os momentos, novos e velhos. Aliás, enquanto o reencontro não vem, há sempre uma música que nos lembra alguém.

Para nos embalar de som, a proposta e ouvi-los no Festival Internacional de Corais e Bandas (FIC). O evento acontece anualmente na cidade, percorrendo diversos locais – e lugares também nos lembram pessoas. O FIC começou no dia 10 de Setembro e vai até dia 09 de Outubro, com programações diárias, acontecendo não só em BH, mas também em Sabará e Ouro Preto. A programação completa você confere no site do festival.


*Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, graduado em Filosofia pelo CES-JF, graduando em Teologia pela FAJE. Apaixonado por arte, cultura, filosofia, religião, psicologia, comunicação, ciências sociais... enfim, um "cara de humanas".

Nenhum comentário:

Postar um comentário