domingo, 29 de novembro de 2015

CAPISTRANO DE MARANGUAPE x MARANGUAPE DE CAPISTRANO DE ABREU

Seridião Correia Montenegro

Resultado de imagem para Dr seridião montenegroNa bucólica paisagem do Sítio Columinjuba da recém-instalada Vila de Maranguape, desmembrada de Fortaleza dois anos antes (1851), já se aproximava o fim do mês de outubro de 1853 e a temperatura a cada dia se tornava mais quente e abrasadora. O sol se punha no ocaso, espargindo os últimos raios luminosos, quando um choro auspicioso de criança anunciou a chegada ao mundo do primeiro filho de João Honório. Vizinhos e amigos, que aguardavam ansiosamente em torno da Casa Grande da pequena propriedade, cumprimentaram o amigo e comemoraram até alta madrugada, tomando, em meio à animada conversa, a inigualável e afamada cachaça produzida nas imediações da Vila. Tinha nascido João Capistrano Honório de Abreu, que ficaria conhecido, no curso de sua vida adulta, como Capistrano de Maranguape. 
Depois dessa noite memorável, como num “piscar de olhos”, seguindo a mágica e incontida ação do tempo, os anos foram passando, testemunhando o lento crescimento da criança, cercada pelo amor dos pais e pelo aconchego da família. 
O menino Capistrano, forte de personalidade, perspicaz, detalhista, persistente, determinado e de inteligência exuberante, mas por vezes indisciplinado e displicente, iniciou os estudos e se alfabetizou no sítio em que nasceu. Aos sete anos, foi estudar em Fortaleza no Colégio de Educandos, dirigido pelo padre Antônio Braveza, e, posteriormente, no Ateneu Cearense, matriculando-se em 1865, com doze anos, no Seminário Episcopal do Ceará, de quem foi companheiro o jovem Cícero Romão Batista, do Crato. O espírito contestador e a curiosidade acerca dos fenômenos da vida e da ciência, do talentoso jovem, tiveram como consequência uma drástica reação por parte dos conservadores padres lazaristas da já conceituada instituição de ensino religioso, fundada no ano anterior: convidaram Capistrano a se retirar do seminário. 
Em 1869, seu pai, João Honório de Abreu, admitido na Guarda Nacional como Primeiro Tenente do esquadrão de cavalaria de Maranguape, decidiu mandar o filho para Recife, a fim de fazer os estudos preparatórios no Colégio das Artes. O jovem estudante pretendia ingressar na Faculdade de Direito do Recife. 
Mas, em 1871, reprovado nos exames preparatórios, Capistrano retornou ao Ceará. O estudante, segundo o biógrafo José Carlos Reis, “nada afeito a exames, fracassou nas tentativas de ingresso na Universidade e jamais chegou a obter um diploma de curso superior”. 
Dos dezoito aos vinte anos de idade, Capistrano permaneceu no sítio dos pais, dividindo o tempo entre o lazer, a contemplação da natureza, as leituras e a redação de artigos para jornais de Fortaleza. 
Foi um dos fundadores, em 1872, da Academia Francesa do Ceará, movimento intelectual de cunho filosófico e literário, de cultura e debates, progressista e anticlerical, que tinha por objetivo disseminar o positivismo no Ceará. 
No fundo do coração, Capistrano procurava maturar a ideia e o sonho de sair da casa dos pais, “ganhar o mundo”, tornar-se independente e conquistar um bom emprego, com um salário condigno, que atendesse a suas necessidades e aos contidos anseios de independência e de liberdade. 
Conseguiu com o amigo e escritor José de Alencar uma carta de recomendação para o jornalista e diretor de jornais Joaquim Serra, a fim de lhe franquear o acesso, na condição de estagiário, a algum órgão de imprensa da Corte. Viajou para a “Cidade Maravilhosa”, acalentando a esperança de um futuro promissor. Não demorou a conseguir, graças à “credencial” que levava consigo, um modesto emprego na prestigiosa Livraria Garnier. Começou a lecionar no Colégio Aquino. Passou a escrever artigos de crítica literária e história para o jornal Gazeta de Notícias. 
Mas o destemido Capistrano de Abreu procurava delinear o seu próprio destino, buscando atividade mais compatível com sua vocação de estudioso de história e de pesquisador. 
Em 1879, foi aprovado em concurso para trabalhar na Biblioteca Nacional. Segundo o historiador e ensaísta Francisco Iglesias, esta passagem pela principal biblioteca do país foi fundamental para o desenvolvimento de sua carreira, pois “na Biblioteca Nacional, Capistrano passou a lidar com livros raros, a ler o que só aí se encontrava, a lidar com documentos, aprendendo a lê-los e a interpretá-los convenientemente”. 
Sempre preocupado em se dedicar à área de sua especialização, em 1883 conseguiu aprovação em concurso público e ingressou numa das mais importantes instituições de ensino do país na época, o Colégio Pedro II, onde passou a lecionar corografia e história. 
Foi no exercício do magistério que elaborou a importante tese “O descobrimento do Brasil e seu desenvolvimento no século XVI”, trabalho que viria a ser uma das bases do livro Capítulos de História Colonial, sua primeira obra de vulto. Como professor, Capistrano prosseguiu seus estudos, publicando artigos e traduções de obras europeias, especialmente alemãs, tornando-se, em 1887, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. 
Em 1899, resolveu se demitir do Colégio Pedro II, desgostoso com a extinção da cadeira que lecionava. Passou a se dedicar exclusivamente a escrever para jornais e fazer pesquisas históricas, tornando-se, como autêntico autodidata, um dos mais importantes historiadores do Brasil. 
Dedicou-se ao estudo de línguas e, apenas com o auxílio dos dicionários, aprendeu o inglês, o francês, o alemão, o italiano, o holandês e o sueco. Na década de 1890, começou a fazer estudos sistemáticos sobre as línguas e os costumes dos índios brasileiros, que o ocupariam até o fim da vida. As principais obras de Capistrano de Abreu são: O Necrológio de Varnhagen, Estudo sobre Raimundo da Rocha Lima, José de Alencar, A Língua dos Bacaeris, Capítulos de História Colonial 1500-1800, Dois Documentos sobre Caxinauás, Os Caminhos Antigos e o Povoamento do Brasil, O Descobrimento do Brasil, Ensaios e Estudos, e Correspondência. 
Duas situações, em épocas diferentes de sua vida, conseguiram revelar a personalidade forte e o caráter retilíneo de Capistrano de Abreu: o pedido de demissão do Colégio Pedro II e a recusa de tomar posse, depois de eleito, na Academia Brasileira de Letras, decepcionado com a traição de Rui Barbosa, um dos artífices da extinção da cadeira de corografia e história do Colégio Pedro II. 
Devemos ressaltar que Capistrano, no estudo da história colonial brasileira, elaborou uma teoria da literatura nacional, baseada nos conceitos de clima, terra e raça, e promoveu a renovação dos métodos de investigação e interpretação da história, no Brasil. 
Devem-se destacar também alguns aspectos que transformaram o “Capistrano de Maranguape” num dos ícones da historiografia brasileira: a sua fidelidade à verdade histórica, através da defesa intransigente da necessidade de divulgação das fontes históricas, com a consequente disponibilização dessas fontes a todos os que se dispusessem a estudar a história pátria, possibilitando o confronto das fontes com a narrativa dos textos produzidos pelos historiadores.
 Capistrano se notabilizou, nos trabalhos e pesquisas, pela segurança da investigação, vasteza da informação, profundidade do saber e inteligência do assunto tratado. 
No momento em que se comemoram seus 162 anos de nascimento, pela dimensão e importância que teve o grande historiador, pode-se afirmar com orgulho que um dos maiores historiadores brasileiros é Capistrano de Abreu de Maranguape, a terra em que nasceu, hoje conhecida como Maranguape de Capistrano de Abreu.
*Escritor, procurador fazendário e ex-vereador de Fortaleza 

Nenhum comentário:

Postar um comentário