quarta-feira, 30 de abril de 2014

Pêndulo do Vaticano vai do teatro ao conteúdo

Após canonizações, papa se volta para a reforma vaticana e os escândalos de abuso sexual.
Por John L. Allen Jr.
Em Roma o pêndulo está fazendo o seu movimento do teatro público para o conteúdo dos bastidores durante esta semana, quando duas reuniões a portas fechadas terão pela frente dois dos desafios mais sérios que o Papa Francisco enfrenta: a reforma vaticana e os escândalos de abuso sexual infantil.
Na sequência da grande cerimônia de canonização ocorrida no domingo dos papas João XXIII e João Paulo II, os assessores do atual pontífice que compõem o Conselho dos Cardeais (o seu G8) terão – entre os dias 28 e 30 de abril – uma reunião onde irão refletir sobre reorganização da Cúria Romana, a burocracia administrativa central do Vaticano.
Logo em seguida, a nova “Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores”, instituída por Francisco em dezembro para liderar os esforços relativos aos escândalos sexuais, irá ter a sua primeira reunião.
A sequência não é mera coincidência, visto que uma figura está presente nos dois organismos importantes: o cardeal Sean P. O’Malley, de Boston.
Na verdade, atualmente o conselho do G8 está mais para um “G9”, já que o secretário de Estado do Vaticano, o cardeal italiano Pietro Parolin, se junta às discussões. Pessoas ligadas internamente à estrutura da Igreja consideram isso um sinal de que Parolin, nomeado ao posto tradicionalmente visto como o de “primeiro-ministro” do Vaticano em outubro, ganhou a confiança do pontífice.
Como é de seu costume, Francisco se faz presente em momentos como estes, mas sem dizer muita coisa, preferindo escutar as discussões sem se intrometer.
Esta é a quarta reunião do conselho criado pelo papa logo após a sua eleição para melhor envolver os líderes das igrejas locais de todo o mundo nos processos de tomada de decisão em Roma. Desta vez eles estarão analisando propostas para uma “reorganização” dos diversos conselhos pontifícios, em geral entendido como sendo um eufemismo para um encolhimento, uma redução das estruturas.
Hoje o Vaticano tem doze conselhos pontifícios, todos virtualmente criados no Concílio Vaticano II (1962-1965). Alguns destes são o Pontifício Conselho “Justiça e Paz”, o Pontifício Conselho para a Família e o Pontifício Conselho para a Pastoral no Campo da Saúde. Estes órgãos são vistos como tendo influência política limitada, sendo mais parecidos com os “think tanks” [ou grupos de reflexão] do que com departamentos tomadores de decisão.
Muitos analistas ao longo dos anos reclamaram que há muita sobreposição e duplicação de esforços entre estes diversos conselhos, e várias propostas foram apresentadas aos cardeais incluindo a eliminação de algumas delas e a consolidação de outras.
Um tal pacote de reformas pode também incluir a ideia de um novo “superdicastério” (termo técnico usado pelo Vaticano para dizer departamento) dedicado aos leigos da Igreja. Hoje o Vaticano tem congregações para os bispos, o clero e ordens religiosas, mas não para os membros leigos que constituem a grande maioria da população católica.
Na terça-feira o conselho também assistiu a uma apresentação feita por Joseph F.X. Zahra, economista maltês que preside um organismo criado pelo papa para analisar as estruturas econômicas do Vaticano e que também é o membro leigo de um novo conselho que irá supervisionar as finanças vaticanas.
Em entrevista concedida ao jornal The Boston Globe no início de março, Zahra disse que a nova estrutura vai evitar o tipo de escândalo financeiro que abala o Vaticano seguidamente, tal como o caso do ano passado que envolveu um contador do Vaticano supostamente enredado num complô para contrabandear milhões em dinheiro.
“Estamos reconstruindo um sistema de controle que irá assegurar que estes escândalos nunca venham a acontecer novamente”, disse Zahra.
Os membros do conselho podem igualmente considerar a ideia de uma nova posição chamada de “moderador da Cúria”, que coordenaria o trabalho dos variados departamentos vaticanos os quais, historicamente, nem sempre mantêm uma boa comunicação entre si.

O’Malley contou ao The Boston Globe que o momento para estas decisões serem tomadas pode também depender de se o Papa Francisco levantar outros tópicos que ele também quer ver os cardeais discutir.
“Isso quer dizer, qualquer coisa que o Santo Padre queira consultar de nós”, disse O’Malley, acrescentando que “ele [o papa] é cheio de surpresas”.

No fronte dos abusos sexuais, a nova comissão pontifícia irá se reunir de 1º a 3 de maio. No momento, compõe-se de oito membros nomeados diretamente por Francisco.
Além do cardeal O’Malley, os outros membros são:
– Marie Collins, vítima irlandesa de abusos por parte do clero e crítica ferrenha das falhas da Igreja sobre as respostas dadas aos escândalos.
– O jesuíta alemão Hans Zollner, vice-reitor acadêmico da Universidade Gregoriana de Roma e presidente do Instituto de Psicologia. Zollner coordenou uma importante conferência antiabuso em Roma no ano de 2012 chamada “Ruma à cura e renovação”.
– Hanna Suchocka, ex-primeira-ministra da Polônia e atual embaixadora no Vaticano.
– Claudio Papale, leigo italiano especialista em Direito Canônico e docente na Pontifícia Universidade Urbaniana de Roma.
– Catherine Bonnet, psicóloga francesa que tem extensa obra publicada sobre os efeitos dos abusos sexuais e exploração de crianças.
– Sheila Hollins, ex-presidente da Faculdade Real de Psiquiatria e atual presidente da Associação Médica Britânica, frequentemente consultada sobre assuntos relativos ao desenvolvimento infantil.
– O padre jesuíta argentino Humberto Miguel Yáñez, que foi recebido pelo futuro papa na Companhia de Jesus em 1975 e que estudou com ele num colégio argentino.
Embora o Vaticano não tenha divulgado uma agenda da reunião, fontes contaram ao The Boston Globe que, na ordem do dia, estará a finalização de um documento legal, chamado motu próprio, para a assinatura do papa que dará à comissão um estatuto formal no Vaticano.
Em termos gerais, espera-se que os membros discutam sobre outras pessoas que eles possam querer trazer para o grupo, com especial atenção na inclusão de regiões do mundo não atualmente representadas, como a África e a Ásia.
Numa entrevista recente ao The Boston Globe, Zollner disse que a comissão pretende adotar um “compromisso inabalável em pôr as vítimas em primeiro lugar”.
“A Igreja também tem que fazer tudo o que está a seu alcance para evitar futuros abusos”, declarou Zollner.
Outro assunto que provavelmente virá à tona esta semana é a apresentação iminente do Vaticano perante o Comitê das Nações Unidas Contra a Tortura, em Genebra, onde espera-se que, mais uma vez, o Vaticano seja criticado por seu histórico envolvendo abuso infantil.
No início do ano, o Comitê das Nações Unidas para os Direitos da Criança criticou o Vaticano por fomentar uma cultura de “impunidade” aos abusadores, e também abertamente criticou o ensino católico em questões envolvendo a moralidade sexual tais como o aborto, o uso de métodos contraceptivos e o casamento homoafetivo.
Os membros da comissão provavelmente irão refletir sobre a melhor forma de se responder a este tipo de crítica, de modo a não sair pela defensiva, mas ao mesmo tempo sublinhar o que consideram como reformas significativas adotadas nos últimos anos.
The Boston Globe. 29-04-2014.
Tradução de Isaque Gomes Correa.

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