sábado, 18 de novembro de 2017

Que o sangue da Irmã Dorothy acorde a Igreja!

Padre Geovane Saraiva*
Quando o site da Rádio do Vaticano publicou a notícia: “Padre Renato Salvatore, superior geral dos Camilianos e outras cinco pessoas receberam uma ordem de prisão preventiva, sob a acusação de terem impedido a dois sacerdotes de participar na eleição do Superior Geral da Ordem, que ocorreu em maio de 2013, encenando um falso controle da polícia judiciária. A ausência dos dois sacerdotes teria permitido ao Padre Salvatore ser eleito Superior Geral” (Rádio Vaticano, 07/11/2013). Assim, refleti comigo mesmo: a crise na Igreja vai muito além do que se imagina.

De longe sabemos da questão do homossexualismo, nas casas de formação e dentro do clero, como um tabu, o qual era proibido se comentar; a realidade no mundo inteiro de inúmeros sacerdotes que foram assassinados nas últimas décadas em situações ambíguas; de bispos e cardeais que são obrigados a renunciar, vivendo em situação de reclusão, alguns deles não podem nem presidir as celebrações eucarísticas, dentro dum contexto de dúvidas e interrogações; temos também pouca transparência no contexto financeiro no mundo da Igreja. Confesso que gostaria de saber da Igreja Católica, sendo o Vaticano um Estado, de onde se tira dinheiro para manter a diplomacia, entre outras despesas estruturais; ademais, não podemos esquecer dos Escândalos Vatileaks e a pedofilia. A palavra do Papa Francisco, aos 16/01/2014, reforça nosso artigo, ao dizer com todas as letras: “É preciso sentir vergonha pelos escândalos da Igreja”.

Dentro desse contexto triste e vergonhoso, jamais podemos esquecer assassinato da Irmã Dorothy Stang, contrariando esse estado de coisas e escândalos, e que já se passaram nove anos. Temos consciência de que o testemunho e a mística dessa fiel e corajosa religiosa, vivido na extrema simplicidade e pobreza evangélica, no seguimento de Jesus de Nazaré, com seu sangue derramado na floresta amazônica, irão nos ajudar numa profunda reflexão, no sentido de produzir frutos, muitos e bons frutos.

Irmã Dorothy afirmou, no momento, no qual foi imolada: "Eis a minha alma" e mostrou a Bíblia Sagrada. Leu ainda alguns trechos das Sagradas Escrituras para aquele que logo em seguida iria assassiná-la, a mando do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida. Morta com seis tiros, aos 73 anos de idade, no dia 12 de fevereiro de 2005, em Anapu, no Estado do Pará, Brasil. É a partir duma grande e enorme simbologia, bem ao meio da floresta amazônica, este assassinato quer dizer ao mundo inteiro que a vida é mais forte do que a morte!

Diante do contexto da morte brutal da Irmã Dorothy, fica a frase de Tertuliano, dita no século terceiro: "Sangue de mártires é sementes de cristãos". "Evangelizar constitui, com efeito, o destino e a vocação própria da Igreja, sua identidade mais profunda. Ela existe para Evangelizar" (Evangelli Nuntiandi, 14), não fugindo, evidentemente, do martírio. Papa Francisco, ao escrever aos bispos argentinos, no dia 18/04/2013, indicou o caminho do martírio: “prefiro uma Igreja acidentada (martirizada) a uma Igreja doente” (instalada).

O modelo capitalista no Brasil, marcado pela desigualdade social e estrutural entrou com toda sua força também na Amazônia. Para a floresta amazônica, foi por opção de vida, a inesquecível Irmã Dorothy. Lá ela abraçou a proposta do Evangelho, repleta de ternura, paixão e compaixão pela floresta amazônica e seus habitantes. Uma mulher forte e determinada, no seu estilo de vida e com uma mística a causar medo e contrariar os que desejavam outro projeto para floresta, longe e distante do projeto de Nosso Senhor Jesus Cristo. Por isso mesmo tramaram: vamos assassiná-la.

Irmã Dorothy está viva e presente da vida do seu povo, com sua vida ofertada em sacrifício, num verdadeiro hino de louvor a Deus, na sua coragem profética. Ela vai continuar sempre mais amada e admirada, como figura exemplar e referencial, símbolo e patrimônio do povo brasileiro, o qual sonha com uma nova realidade, aos olhos da fé.

Para a Igreja Católica, diante das crises e contradições, como faz bem recordar o martírio de Irmã Dorothy Stang, como algo imprescindível, olhando-a como modelo, exemplo e referencial. Que seu martírio, com seu sangue derramado acorde a Igreja! Assim seja!


*Padre da Arquidiocese de Fortaleza, escritor, articulista, blogueiro, membro da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza, da Academia de Letras dos Municípios do Estado Ceará (ALMECE) e Vice-Presidente da Previdência Sacerdotal - Pároco de Santo Afonso - geovanesaraiva@gmail.com

Autor dos livros:
“O peregrino da Paz” e “Nascido Para as Coisas Maiores” (centenário de Dom Helder Câmara);
“A Ternura de um Pastor” - 2ª Edição (homenagem ao Cardeal Lorscheider);
“A Esperança Tem Nome” (espiritualidade e compromisso);
"Dom Helder: sonhos e utopias" (o pastor dos empobrecidos);
"25 Anos sobre Águas Sagradas (coletânea de artigos e fotos).


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