sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Casal que fez parte do bando de Lampião é sepultado em BH


Corpos dos ex-cangaceiros estão juntos, no cemitério da saudade
Quem ouve a história de Antônio Inácio da Silva e de Durvalina Gomes de Sá, ex-cangaceiros que fizeram parte do bando de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, e viveram o resto de suas vidas em Belo Horizonte, se surpreende com a intensidade dos fatos que cercam a vida do casal. Cenas de fuga, assassinatos e segredos encobertos por mais de 50 anos são alguns dos episódios que fazem parte da narrativa. Na terça-feira desta semana , no cemitério da Saudade, na região Leste da capital, outro capítulo dessa história foi contado. Antônio e Durvalina, que haviam sido sepultados em cemitérios diferentes, agora estão juntos em um mesmo jazigo. A mudança é a realização do pedido da filha do casal, Neli Maria da Conceição, feito à Prefeitura de Belo Horizonte, que doou o túmulo ao reconhecer a relevância histórica dos ex-cangaceiros.


“É muito gratificante para a minha família ter esse reconhecimento. Tenho muito orgulho de saber que os dois fizeram parte da história do Brasil e que agora vão estar juntos”, disse, emocionada, a filha. O pedido de Neli foi feito por meio de uma carta, construída com a ajuda do historiador Ivanildo Silveira. Esse tipo de cessão é feita apenas em situações especiais, como no caso da relevância histórica e cultural de Antônio e Durvalina. O casal se conheceu durante o cangaço, fenômeno marcado pelo embate entre cangaceiros e policiais que se alastrou por quase todo o Nordeste brasileiro entre os séculos 19 e 20.



A entrada de Antônio Inácio da Silva para o grupo de Lampião se deu por convite do próprio cangaceiro lendário, depois da recusa da polícia do estado em aceitar Antônio na corporação. O pernambucano ficou conhecido por Moreno e acabou levando o título de ser um dos maiores matadores de policias. “Foram 21 assassinatos e ele nunca levou um tiro”, conta João Batista Souto Figueiredo, 65 anos, filho do casal. Já Durvinha, apelido de Durvalina Gomes de Sá, trocou os maus tratos da sua família na Bahia pelo amor de Virgínio, cangaceiro e cunhado de Lampião, conhecido também como Moderno. Com a morte de Virgínio, Durvinha se juntou a Moreno, com quem ficou até o final da vida.



Em 1938, em uma emboscada na gruta dos Angicos, em Sergipe, quando Lampião, Maria Bonita e outros nove cangaceiros foram mortos, Durvinha e Moreno sobreviveram. Esse episódio marca o início do declínio do cangaço. Na época, os cangaceiros que eram capturados pela polícia eram decapitados e tinham suas cabeças expostas em locais públicos da cidade. Temeroso, o casal perambulou por dois anos entre Alagoas e Pernambuco até decidir fugir do Nordeste, deixando um filho aos cuidados de um padre em Tacaratu, cidade natal de Moreno. “Foram aproximadamente 1.786 quilômetros feitos a pé durante quatro meses até que eles chegaram à cidade de Augusto de Lima [em Minas Gerais]”, conta João Batista.



Novas identidades



Na cidade mineira, o casal assumiu novas identidades, Jovina Maria da Conceição Souto e José Antônio Souto, e por lá criaram seus outros cinco filhos. “Eles fizeram um pacto para que o passado cangaceiro nunca fosse descoberto”, conta Neli, hoje com 63 anos. O sustento veio da fabricação e da venda de farinha e, posteriormente, de um bordel, do qual Moreno foi o proprietário. A mudança para Belo Horizonte aconteceu na década de 1970 e somente em 2005 toda a verdade foi revelada, quando Neli descobriu o paradeiro do irmão que ficou no Nordeste. “Com 10 anos de idade, encontrei uma fotografia de um menino, que minha mãe disse ser meu irmão. Nesse dia, ela me disse o nome dele: Inácio”, relembrou. O problema é que Inácio, que ela encontrou em uma das suas tentativas, não era filho de José Antônio e Jovina, mas dos cangaceiros Moreno e Durvinha.



Com a descoberta de Neli, o casal revelou toda a história aos seis filhos, contando com Inácio, que na época já morava no Rio de Janeiro. Na ocasião, eles pediram segredo porque não sabiam que os crimes tinham prescrito, mas Neli levou os fatos a público, que logo se tornaram fonte de pesquisas, livros e documentários ligados à temática do cangaço. 



Antônio e Durvalina são protagonistas do livro “Moreno e Durvinha: Sangue, Amor e Fuga no Cangaço”, do historiador baiano João de Sousa Lima, e do documentário “Os Últimos Cangaceiros”, dirigido por Wolney Oliveira. O casal também é objeto de pesquisa da professora de história pernambucana Ana Lúcia Granja, que está produzindo seu segundo livro sobre o tema. Por fim, o filho João Batista finaliza o livro em que relata a história dos seus pais nesse importante período da história do Brasil. Durvina faleceu no dia 30 de junho de 2008 e Moreno morreu no dia 6 de setembro de 2010. Os dois estão sepultados na seção C, no jazigo 65.

Cangaço

O cangaço foi um fenômeno social protagonizado por grupos armados que percorreram o sertão nordestino entre as décadas de 1870 e 1930. Os cangaceiros despertavam o medo e a admiração da maioria da população pobre do Nordeste. Para alguns especialistas, o cangaço teria nascido como uma forma de defesa dos sertanejos diante da ineficiência do governo em manter a ordem e aplicar a lei. Para combater os cangaceiros, o governo reagia com as “volantes”, grupos de policiais.

Maior de todos os cangaceiros, Lampião começou a atuar em 1920. Estima-se que sua gangue chegou a matar mais de mil pessoas. As primeiras mulheres juntaram-se ao cangaço a partir de 1930 e a pioneira foi Maria Bonita, companheira de Lampião. O sucesso de seus ataques contra fazendas e vilarejos fez a polícia intensificar os esforços para enfrentá-los, usando armamentos que os cangaceiros jamais conseguiram comprar, como submetralhadoras. Em 1938, Lampião e Maria Bonita foram mortos por uma volante. Um dos sobreviventes, Corisco, tentou assumir o lugar do chefe, mas foi morto pela polícia em 1940, em um ataque que encerrou o cangaço.
PBH

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